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segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

T O R T U R A

Tortura...
por Márcio Del Cístia em 30 de novembro de 2006

Resumo: O que resta aos falastrões delatores e ressentidos, senão acusar seus inimigos - testemunhas de sua abjeta covardia e insignificância - de "torturadores brutais"?


Há anos, lá por ’95 ou ’96, bem antes desta Era do Exu de Quatro Dedos, reencontrei um amigo de infância. Colegas de grupo escolar na minúscula cidadezinha, fôramos unha-e-carne no gosto por caçadas de estilingue e pescarias nas barrancas do Itararé, vivendo a liberdade larga e aventureira de garotos do interior. Juntos, fumamos o primeiro Castelões, um horrível arrebenta-peito da moda. Ombro a ombro, peitamos os ‘nazistas lazarentos’ em ferozes batalhas de mamonas e vezes sem conta esfolamos as magras bundinhas galopando em pêlo no combate aos sioux, apaches, seminoles – no melhor estilo de Hopalong Cassidy. Chegado o tempo de colégio fui enviado para um internato e ele para outro, muito longe. Sua família mudou-se e nunca mais nos cruzamos. Até então.
Após fraternas amabilidades, usuais nestes momentos (Quiuspa, cara! Como cê tá véio! - E ocê ainda mais feio do que era, magrelo!...) secamos chopes e atualizamos biografias.
Ele seguira carreira militar, especializando-se em Inteligência, alegação comprovada pela quantidade de informações saborosas sobre bastidores pessoais de personalidades então proeminentes.
Na época, criava-se a Comissão de Desaparecidos Políticos abrigando pedidos de indenizações aos inocentes pobrezinhos esquerdóticos, brutalmente torturados ao tempo do regime militar pelos gorilões verde-oliva do DOI-CODI. E perguntei-lhe sobre os métodos de tortura.
Ainda me ecoa na memória a vasta gargalhada em resposta. Entre surtos de riso divertido, à medida que antigas cenas lhe acorriam, narrou suas experiências nos interrogatórios dos ‘guerrilheiros’:
“- Nosso problema era fazê-los calar, não falar...
Eram uns pobres diabos apavorados para quem a ficha da realidade começava a cair e que, para a maioria de nós, profissionais, inspiravam pena e até impulsos de proteção. Podíamos perceber que haviam sido seduzidos e manipulados por líderes carismáticos do movimento e canalhamente usados para buchas de canhão e produção de “mártires” úteis à propaganda. Não tinham solidez em suas convicções, nem consciência do que fosse uma condição de guerra com os riscos pessoais que acarreta. Haviam vivido sonhos tontos de adolescentes entre nuvens de maconha, fumos marxistas e pregações leninistas; suas fantasias de ações terríveis, bravura e sacrifícios heróicos desmoronavam fácil ante o choque da realidade crua... Acho que se viam como guerreiros duros quando usavam armas contra civis desarmados, mas a distância entre as grandiosas imagens oníricas de si mesmos e sua verdade pessoal era tristemente enorme...
Não tortura, mas apenas medo soltava-lhes as línguas. Contavam tudo em detalhes, entregavam sofregamente os companheiros fornecendo nomes, apelidos, descrições, endereços, planos... Sua ânsia de livrar a própria cara acusando ‘irmãos de guerrilha’ divertia alguns dos nossos, mas mesmos estes acabavam sentindo dó ante tanta fraqueza de caráter. Nós éramos profissionais. Sabíamos bem das diferenças entre combate e ilusão.Também conhecíamos o medo mas, o pavor sem controle deles, nos envergonhava. Acho que nunca entenderam que éramos soldados... acho que nunca foram capazes de entender o que seja ser um soldado.
Uma vez soltos, precisavam apresentar desculpas aos companheiros, já que temiam – e com razão – serem justiçados como ‘traidores’. Daí as histórias de torturas e sevícias pelos monstros-milicos, tanto mais terríveis os ‘sofrimentos’ relatados quanto maiores e mais detalhados houvessem sido os relatórios fornecidos sobre seus ‘camaradas revolucionários’. Ademais, como é inevitável em tais tipos de caráter, muitos deles desenvolveram ódio feroz contra nós, testemunhas a contra gosto de sua covardia.
Alguns, de perfil depressivo, após entregar até o mais distante dos amigos comunistas, caíam em si dando-se conta do que haviam feito, das prováveis conseqüências a esperar de seus companheiros – e tentavam o suicídio.
Com a pena que nos inspiravam estes coitados, perigosos na sua burrice armada e desembestada, crescia-nos a indignação contra aqueles que os manipulavam, os intelectuais comunistas, sempre a cuidadosa e prudente distância da ação e do perigo. É fácil ser valente, sentadinho lá no Comédie Française ou num café de Estocolmo.
Sabe? Acho que falhamos com nosso país ao permitir a estes saírem livres e impolutos. Não chegar ao extremo de afogá-los num banho de sangue como os comunas usam fazer quando assumem o Poder, mas nem mesmo abrimos aos brasileiros a verdade a respeito destes caras, de sua absoluta falta de escrúpulos, da descarada ânsia por poder pessoal, da destrutividade e crueldade de que são capazes; como resultado aí estão outra vez, em plena força, com a corda toda e manhas novas.”
Devagar, a tarde de maio, luminosa e fresca, se fez noite. Lembrando compromissos que nos aguardavam, pagamos os chopes, trocamos abraços. Vê barcos que se cruzam na imensidão do mar, fomos cada qual à sua vida e nunca mais nos falamos. Soube que deu baixa e que iria sair do país. Onde anda, o que pensa dos eventos atuais, ignoro. Mas me lembro dele a cada novo avanço esquerdopata contra o Cel. Ustra e a Lei da Anistia:
“O que os comunistas não perdoam ao Pinochet, ainda mais que a derrocada de seus delírios castro-leninistas, é ele ter elevado o Chile à condição de país de primeiro mundo com receitas liberais. Cê quer apostar que a consciência e memória do enorme avanço sócio-econômico produzido aqui pela administração dos militares vão desaparecer sob o rótulo calhorda de “anos de chumbo”? Ou que a honradez e honestidade daqueles oficiais que deixaram o Poder tão pobres quanto o eram ao assumi-lo, vão ser esquecidas sob acusações de arbítrio e tortura? Conheço os comunas de perto, pela frente e por dentro.

Não irão parar de mentir, corromper e de tentar afogar-nos na sua demência totalitária.”
Não apostei.